Eu só queria contar o pouco que sei.
Eu entrei no colégio em 2010. Peguei uma turma boa onde todos eram estranhos, na verdade eu também era uma estranha. Usava óculos gigantes, vivia com o cabelo preso numa trança, usava aparelho nos dentes e estava, digamos que, acima do peso. Eu era a verdadeira "patinha feia", mas ninguém podia negar o quanto eu era inteligente. Eu vim de um colégio particular, não pude continuar lá porque meus pais se separaram e meu pai se recusou a continuar pagando a escola. Não liguei muito; aceitei ir para o tal Liceu Nilo Peçanha.
Mas, querendo ou não, eu ainda era metida a riquinha e no primeiro dia de aula eu não consegui me identificar com ninguém. Fiquei apenas olhando, observando as pessoas, até que um menino me chamou a atenção. Ele era mediano, nem alto nem baixo, tinha cabelos cacheados cortados num pequeno "black", tinha olhos verdes e a pele mais bem cuidada que eu já vi. Mas, não foi a beleza física dele que me chamou a atenção e sim o fato de um menino bonito como ele estar andando sozinho. No meu caso era compreensível, ninguém queria andar com uma menina tão feia, mas e no dele? O que fazia ele andando sozinho?
Bom, eu não consegui a resposta que queria. O sinal tocou e passos apressados ecoavam no corredor. Várias pessoas falando ao mesmo tempo, outras esbarrando em você. Eu estava decidida que no dia seguinte só entraria depois que todos já tivessem entrado.
No outro dia eu teria Educação Física nos primeiros tempos e resolvi matar.
Sentei numa mesinha de cimento e fiquei lendo meu livro favorito "Contos do Liceu" de Ange Lyn e Giullianna Drukleim. Eu achava aquelas histórias o máximo e elas me faziam conhecer mais sobre o Liceu.
Estava tão concentrada no livro que nem percebi que o tal menino havia se sentado na minha mesa. De repente ouvi sua voz dizendo:
- Está gostando do livro?
Sim, era ele! Estava sentado à minha frente com um sorriso encantador no rosto.
- Bom, eu ganhei este livro ontem da minha prima e ele já é o meu favorito. - respondi.
- Realmente os contos são bons, só há algo que os estraga!
- O quê?- Perguntei, já abaixando o livro e o encarando com ar de curiosidade.
- Elas nunca revelam o nome do "vilão". O nome da pessoa que faz todas as maldades!
- Deixe de ser louco! São contos! Histórias que elas inventam, sendo assim elas colocam o nome de quem bem entenderem.
Ele me olhou com ironia, eu senti meu coração palpitar, aquilo não era bom sinal. Tentei me levantar e ir embora mas ele, com sua mão, me fez sentar novamente, como faz um mágico, e eu, como que controlada por ele, tornei a me sentar e fiquei presa na cadeira de cimento.
Ele disse:
- Onde vai com tanta pressa? Ainda nem terminei de falar!
- Mas, como? Eu não consigo me mexer!
- Bobinha! Eu só quero te contar os detalhes de cada conto, já que eu sou o "vilão" de todos eles!!
- Você é maluco, isso sim!
- Ah, sou? Pois bem, minha pequena. Quando o Liceu foi fundado eu já estava aqui. Eu vi crianças como você escavando o pátio a procura de ossos, eu vi pessoas sendo presas no espelho do banheiro, vi Paulo Roberto se tornando diretor, vi bíblias definindo profissões, vi um menino matar uma moça para não passar o Ano Novo sozinho, e todos os outros contos que essas meninas escreveram. Na verdade eu fui o menino assassino, eu fui a vampira, eu fui o líder dos repetentes, fui monstros, fui professores, e tudo mais.
- Mas, como? Você é lindo! Se parece com um anjo! - disse eu.
- Pois é! No próximo conto eu serei um anjo. Mas, eu não queria. Elas, Giullianna e Ange Lyn, me obrigam!
- Como?
- Sabe, um dia eu estava vagando pelo Liceu e vi duas meninas, que pareciam ser muito amigas, conversando em uma mesinha como essa. Elas estavam com uma folha de papel sobre a mesa e uma delas anotava coisas, coisas pelas quais elas decidiam detalhe por detalhe, parecia que elas estavam escrevendo uma história. Cheguei mais perto e a menina que estava com a caneta na mão percebeu e logo tampou a folha com o braço. A outra menina disfarçou e as duas esperaram um tempo até que eu "desaparecesse". Elas não sabiam que eu estava escondido esperando um momento de distração. Quando elas se distraíram eu corri e peguei o papel. Continuei correndo com a folha nas mãos até que elas me perderam de vista. Quando terminei de ler eu fui levado automaticamente para a cena do conto e tive que fazer tudo que estava escrito naquela folha. Não por vontade própria, mas porque algo me obrigava. Quando aquela história acabou eu percebi que havia mudado de forma e que já estava em outro conto. Isso acontecia todos os dias, direto, até que um dia elas não escreveram. Sai para procurá-las e escutei a rádio anunciando um novo conto. Ouvi burburinhos sobre um tal Blog e fantasmas e quando enfim as achei perguntei desesperado o que elas estavam fazendo comigo.
Elas me olharam com cara de que nada estavam entendendo e eu desesperado me sentei na mesa delas e vi uma página, ainda incompleta, com um novo conto.
As letras me chamaram a atenção, elas eram de um dourado que me hipnotizava. Pedi para ver a caneta e uma delas me mostrou. Sim, era aquilo! A caneta era a culpada! Expliquei que aquela caneta era amaldiçoada por uma bruxa e que eu teria que fazer tudo que aquela caneta escrevesse. Tentei num ato desesperado puxar a caneta da mão dela, mas a outra tentou ajudar a amiga e a caneta acabou estourando nas mãos das duas. Agora ela tem uma certa " magia" no DNA delas. Não importa com que lápis, caneta ou hidrocor ela escrevam eu sou obrigado a obedecer tudo o que aquelas mentes criam.
Quer saber o pior? Não levo mérito algum nisso tudo! Estou presente em todas as histórias e ninguém nunca sabe ao menos meu nome.
Queria aparecer pelo menos uma vez na "participação especial". Se isso acontecesse eu seria o vilão malvado mais feliz do mundo!
Agora tenho que ir. Aquelas mentes criativas nunca cansam, e agora, depois de toda a maldade que eu fiz elas querem que eu seja um anjo! Bom, não posso falar mais, o próximo conto me chama...
E da mesma maneira que ele surgiu ele desapareceu. Eu percebi que não estava mais presa na cadeira e a rádio anunciava um novo conto "O Anjo da Guarda". Senti medo, alegria, terror! Mas, até agora não entendo de onde vem a criatividade dessas meninas!!
Bom, pelo menos uma coisa eu já sei, naquele colégio não piso nunca mais!
De: Giullianna Drukleim
*Participação Especial: Getúlio Lopes, o Grande Vilão.
*Participação Especial: Getúlio Lopes, o Grande Vilão.
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