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21 de abril de 2010

O Espelho do Banheiro Feminino

Que o Liceu guardava várias histórias eu já sabia, mas, nunca pensei que alguma pudesse ir tão além da imaginação como esta.
Numa quinta-feira ensolarada reunimos nosso trio para jogar UNO no pátio central, lá era fresco, cheio de árvores e com bancos. O lugar perfeito.
Ao chegarmos lá me deram as cartas para que eu embaralhasse e distribuísse.
Quando começamos a jogar a voz de um menino de no máximo 7 anos soou em meu ouvido dizendo:
- Posso jogar também?
Como que por impulso eu disse:
- Agora não, espera a próxima rodada!
As meninas me olharam e Vanessa me perguntou
- Com quem você está falando?
- Com o menino que está aqui.
- Aqui? - Disse Evelyn - Aqui onde?
- Do meu la...
Ao me virar pude constatar que não havia ninguém ali, as meninas continuaram me olhando, esperando uma resposta e a única coisa que eu consegui dizer foi :
- Eu juro, ele estava aqui ao meu lado.
- Manu, você está bem?
- Esqueçam, não deve ser nada, vamos voltar ao jogo?
Voltamos ao jogo e logo me esqueci do menino, afinal de contas não havia crianças no Liceu, pelo menos nós vimos nenhuma...

Assim que cheguei em casa fui me deitar, eu estava tão cansada que não demorei nem dez minutos para pegar no sono, e o sonho que eu tive foi tão real quanto a voz daquele menino.
Sonhei que estávamos tirando fotos no pátio central, mas, Vanessa e Evelyn precisaram ir ao banheiro e eu fui me sentar em um dos bancos para ver as fotos já tiradas.
Sem que eu percebesse um menino moreno de olhos claros se sentou ao meu lado e foi chegando perto de mim, até que seu braço frio e áspero tocou o meu e quando eu olhei para o lado ele rapidamente tampou minha boca com sua mão, que por sinal era muito mais gelada que seu braço, e disse:

- Por favor, não grite, eu preciso de sua ajuda, e você é a única que pode me ajudar. Por favor, me ajude.
Ele retirou a mão lentamente e assim que pude eu perguntei:
- Quem é você? E que ajuda é essa que você quer?
Ele me olhou assustado e com os olhos saltando para fora ele me disse:
- Por favor, fale mais baixo, se ela descobrir que eu fugi vai me matar.
- Ela? Ela quem?
- A moça que cuida da gente, eu só queria te pedir pra ser minha mãe...
Assim que ele terminou de falar a voz de uma das coordenadoras soou no corredor:
- Pietro! Onde você está??
O menino me entregou um papel branco e antes de ir embora ele me disse:
- Siga todas as instruções desse papel, por favor, eu preciso de você!

Da mesma forma que ele surgiu ele desapareceu. E quando eu acordei o papel estava amassado na minha mão, demorei um tempo para criar coragem e abrir o tal papel e quando eu abri, para minha surpresa, estavam escritas palavras em vermelho, e a caligrafia era de uma criança, talvez do tal Pietro.
O papel dizia:

" A folha roxa um mistério traz, do olhar alegre uma lágrima cai, e se essa lágrima com a folha se encontrar, vida nova a folha terá"

Aquelas palavras não faziam sentido algum, mas, eu preferi guardar o papel e investigar tudo no dia seguinte.
O dia amanheceu frio e com um vendaval muito forte, mas, isso não era motivo para faltar aula e mesmo com o tempo ruim eu fui.
Assim que cheguei fui para o pátio central e me sentei em um banquinho.
Quando me sentei fui atingida por uma forte rajada de vento e numa tentativa frustrada de proteger o rosto com as mãos senti algo agarrar entre meus dedos e assim que a ventania parou eu abri meus olhos e ali, entre as minhas mãos estava a folha roxa.

"a folha roxa um mistério traz"

Sim, aquela era a folha roxa, mas, que mistério ela traria? E como descobrir?
Abri o papel e li a outra parte do 'poema':

"do olhar alegre uma lágrima cai"

O sinal tocou e eu rapidamente guardei a folha e o papel no bolso; no intervalo eu resolveria aquele enigma, se é que havia solução.

Quando bateu o sinal do intervalo eu fui direto para o banheiro, não importa se era maluquice minha, mas, eu ia molhar aquela folha na torneira e ver o que acontecia.
Esperei que todas as meninas saíssem do banheiro, inclusive Vanessa e Evelyn.
Quando o banheiro ficou vazio eu tirei a folha roxa do bolso e abri a torneira, coloquei a folha debaixo d'água e depois de um tempo um brilho forte fez com que eu fechasse a torneira e quando olhei para as minhas mãos o que vi era nada mais, nada menos que uma chave.

Pronto agora havia mais um enigma para resolver: de que porta seria aquela chave?
Tentei em todo o Liceu e nada. Até que chegou a hora da aula de Educação Física.
Quando cheguei na quadra dos fundos avistei uma portinha, bem pequena que na minha opinião era onde guardavam as bolas, mas, como já estava ali não custava ver se a aquela era a porta certa.

A chave girou e a porta se abriu, por mais que estivesse escuro e empoeirado lá dentro eu entrei, e assim que dei o primeiro passo a porta se fechou atrás de mim, eu tentei abri-la novamente mas, a chave não entrava mais na fechadura, e eu cai no chão, completamente desesperada.
O meu desespero era intenso e eu não sabia mais o que fazer, de repente eu comecei a escutar um borburinho e tudo clareou, aquilo que antes estava baixo agora se tornara em um falatório infernal, eu tampei os ouvidos com a mão e levantei os olhos, eu estava numa espécie de jardim de infância...

Comecei a me levantar lentamente e logo me acostumei com o barulho, mas algo segurou em minha pernas, me virei rapidamente e vi Pietro tentando me abraçar, me abaixei e perguntei onde eu estava e ele me disse que eu estava na escola dele, eu havia ido lá para buscá-lo.

Eu olhei para ele e perguntei o porquê de eu ter ido lá para buscá-lo e ele me disse que eu era sua mãe.
Nesse momento eu o empurrei para longe de mim e ele caiu no chão, quando ele se levantou me encarou com um olhar de fúria e assim como tudo aquilo havia começado, desapareceu.
Eu estava novamente no quarto onde se guarda as bolas e as redes.
Começou a fazer um frio insuportável e eu já não sabia o que fazer, comecei então a gritar por socorro. E Pietro, que estava do lado de fora, me respondeu dizendo:

- Você só sai dai se aceitar ser minha mamãe.
- Sua mãe? Deixe de maluquice menino e me tire logo daqui.
- Maluquice? - ele disse furiosamente - Pois bem, daí você não sai até aceitar ser minha mãe.
- Já disse que não, eu prefiro morrer!
E com voz maquiavélica ele me respondeu:
- Eu tenho um castigo muito pior para você!

O medo começou a tomar conta de mim e quando ele abriu a porta eu tentei correr, mas, ele estava segurando um espelho e quando eu dei o primeiro passo caí dentro dele.
Tentei sair mas, tudo que eu fazia era em vão.
Comecei a gritar e a chorar mas ele me disse:
- Faça o escândalo que quiser mamãe, dai você não sai!

E ele pendurou o espelho no banheiro feminino, e todas as vezes que entra alguém eu tento prendê-la no espelho comigo, tento hipnotizá-la, tento escrever no espelho, mas é tudo em vão.
Eu preferia ter aceitado ser "mãe" daquele menino, mas o que passou, passou.
Pelo visto, meu destino será sempre esse : ficar pendurada na parede do banheiro feminino...


De: Giullianna Drukleim

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