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21 de abril de 2010

A última lágrima

O dia estava normal, o pátio estava lotado e resolvemos ir direto para a sala de aula.
Pegamos os mesmos lugares de sempre e começamos a conversar sobre a morte misteriosa de Neilson.
A coordenadora veio nos avisar que ficaríamos sem professor de química durante um tempo, pois não havia um professor para ocupar o lugar de Neilson. Fizemos uma festa, mas, a alegria durou por pouco tempo, ela nos informou que ele havia falecido de maneira misteriosa.
Segundo as testemunhas - sua esposa e sua filha - ele pediu para não ser incomodado porque estava fazendo um trabalho muito importante, só acharam estranho a demora dele quando ele não se levantou no dia seguinte para dar aula. Quando elas foram ver ele já estava morto.
Enquanto conversávamos sobre o motivo de sua morte vimos Giulia arregalar os olhos; de repente ela começou a chorar, sem nem mesmo perceber.
Começamos a balançá-la e quando ela tomou "cor" novamente nos disse o que havia acontecido:
- Eu vi, eu juro que eu vi. Ele passou em direção ao final do corredor, eu tenho certeza!
- Giulia, de quem você está falando? Não vimos ninguém passando aqui.
- Anna, você tem que acreditar em mim, eu juro que vi Neilson passando, eu juro.

Aquela conversa já estava dando calafrios, e como que por mágica Guiomar entrou em sala no exato momento em que íamos entrar em desespero.
O dia estava quente e pedimos a Guiomar para que ela abrisse a porta, ela abriu e voltou para o quadro para terminar a correção.

Algo na porta me chamou a atenção, um vulto talvez.
Mas, quando eu olhei não vi um vulto e sim Neilson, ele olhava para a turma como se pedisse socorro, ao ver aquilo comecei a lacrimejar incontrolavelmente.
Assim que me recuperei escrevi num pedaço de papel :

"Giulia tinha razão. Eu acabei de ver Neilson aqui na porta.
Estou com medo, acho que ele não morreu de verdade."

Quando Anna terminou de ler olhou para a minha cara e eu concordei com a cabeça.
Logo em seguida ela escreveu:

"Não é possível. Enterraram o corpo dele ontem.
Deixa de maluquice e presta atenção na aula."

Porque ela não queria acreditar? O que estava acontecendo? Porque Giulia e eu choramos quando o vimos?

Eram muitas perguntas, mas, o jeito era ir na direção em que o fantasma, ou seja lá o que fosse, estava indo. Ao fim do corredor.

Mesmo Anna não acreditando em nós ela concordou em ir conosco, esperamos o sinal bater e fomos rumo ao final do corredor.
Sozinhas.
Com medo.
Ao chegar lá Anna começou a se queixar de frio e foi ai que percebemos que de nossas bocas saia fumaça e que estávamos quase congelando, mas, isso não nos fez desistir.
Se houvesse algo no final daquele corredor nós descobriríamos, não importava o que estava para acontecer, nós estávamos prontas para enfrentar.

Chegamos ao final do corredor tremendo de frio, não era possível a temperatura lá estar tão baixa, lá fora estava 41°C , nem que tivessem ligado um ar-condicionado ali estaria tão frio.
Vimos uma porta aberta e de lá saia um vapor quente, corremos para aquela sala e assim que entramos a porta se fechou.
Estávamos presas dentro do depósito, aquele lugar estava imundo e com cheiro de mofo o que fez a alergia de Giulia atacar na hora.
Tentamos manter a calma, afinal, aquele prédio era muito antigo e devia haver uma saída ali em algum lugar.
Começamos a procurar alguma outra porta ou forma de sair dali; Giulia ficou sentada num canto até se recuperar, de repente ela se levantou e apontou para uma das extremidades do quadro.
Quando nos aproximamos do lugar vimos o quê ela estava apontando.
De uma das pontas do quadro branco escorria água, mas, era tão lentamente que mais parecia um choro.
Pedi ajuda à Anna e começamos tirar o quadro do lugar.
Atrás do quadro havia um papel onde estava escrito:

"Encontrem e abram a garrafa para que a minha alma possa ser liberta e assim poderei morrer em paz.

P.S.: se acharam essa carta é óbvio que já estão dentro do depósito, um aviso: não deixem que a pintura de Napoleão que está pendurada na parede veja vocês, façam o máximo de silêncio que conseguirem.
Neilson Fabiano "

Só quando ele mencionou que vimos uma pintura de Napoleão Bonaparte na parede a ainda estava com os olhos fechados, sinal de que ainda não havia nos visto.
Mas, que loucura! Neilson estava morto não poderia escrever uma carta, o que estava acontecendo conosco?!?!


CONTINUA...


Bem, não sabíamos se aquilo era uma brincadeira ou um sonho de adolescentes criativos. Mas talvez existisse uma terceira opção, talvez fosse a realidade e nada, nada poderia nos ajudar. Estaríamos sozinhas e teríamos que resolver isso o mais rápido possível. Percebemos que o quadro de Napoleão começara a se mover, sua imagem esticava os braços e abria a boca para logo bocejar. Antes que ele abrisse os olhos, nos escondemos em baixo de uma mesa de madeira meio empoeirada que estava coberta por um pano preto que continha alguns furos. Tudo isso após a tentativa frustrada de abrir a porta.


Giulia se segurava muito para não espirrar, não sabíamos se aquele quadro além de ver também podia ouvir. Cuidadosamente observávamos o quadro sem fazer nenhum barulho, o pano com os furos nos ajudava a observar o temido Napoleão. Giulia nos cutucou e com uma voz que se tivéssemos um centímetro mais distantes seria impossível de ouvir, disse: -Ele voltou a dormir. Encaramos-nos por um certo momento, eu podia sentir as batidas do meu coração e as batidas do coração das meninas. A adrenalina estava no meu sangue, e com certeza também estava no delas. Era um pouco difícil pensar ou respirar. A poeira e aqueles acontecimentos eram de deixar qualquer um com medo. Como a imagem de um quadro poderia ser capaz de se mover, e nos ver.



Giulia que ainda segurava seus espirros, não conseguiu se conter. Dessa vez ela fez barulho, felizmente isso não acarretou em nada. Enquanto Giulia se recuperava do espirro ela observava o chão. Rapidamente começou a esfregar sua mão naquela parte do chão, a poeira ia desaparecendo lentamente enquanto a mão de Giulia ficava preta. Era um pedaço de madeira solto. Conseguimos puxá-lo. De cara podíamos ver uma escada, parecia longa, mas não era possível ver o que havia lá em baixo, estava escuro demais.


Não tínhamos escolha, ou era continuar ali até sei lá quando, ou enfrentar o medo e descer aquelas escadas. Eu desci primeiro, Giulia e Anna vieram logo atrás com o celular na mão. O intrigante era que ambos continuavam sem sinal. Pelo menos estavam sendo úteis para iluminar. Chegando lá em baixo nos deparamos com uma sala, que mais parecia um laboratório, em cima de uma mesa era possível ver uma quantidade significativa de papel. Ali estavam os testes que Neilson iria aplicar para as turmas de 2º ano. Devido a sua morte recente não foi possível a aplicação do mesmo. Estaríamos muito felizes se os tivéssemos encontrado antes. Mas nessa ocasião de nada valia ter encontrado-los. Na parede do outro lado em uma grande estante antiga se encontrava diversos tipos de potes e vidrinhos com cores diversificadas.

De repente, um barulho estranho nos fez olhar para trás, havia um quadro negro verde, o giz começou a se mover sozinho enquanto começava a formar letras no quadro. No fim podia se ler claramente H2O. O giz caiu no chão. Em instantes nossos olhos estavam com lágrimas. Não tínhamos controle sobre isso. Logo após o giz voltou a levitar e em uma piscada de olhos, estava escrito.:“Apliquem o teste para a turma”. Pegamos os testes e olhamos o relógio, já estava ficando tarde . Sem alternativas voltamos ao depósito. O quadro de Napoleão estava de olhos fechados, forçamos a porta e ela se abriu. Conseguimos voltar para casa, as folhas ficaram comigo.

Temendo que fossemos parar presas a uma camisa de força resolvemos que não contaríamos a ninguém.


No dia seguinte parecia que eu havia acordado de um sonho, mas as folhas na minha mochila contradiziam minha ilusão. Era real.

Já na escola, conseguimos enganar uma das inspetoras. Como não havia um professor substituto de química ainda, conseguimos invadir a sala onde se guardava o material dos professores e colocamos os testes lá. Conversamos com a velha mulher ruiva e resmungona. Comentamos sobre o teste que Neilson prometera aplicar e que ficaríamos sem nota nesse bimestre. Bem, nosso plano funcionou. A mulher mexeu nas coisas do nosso falecido professor e viu os testes. Logo nos avisou e avisou a turma que o teste seria aplicado naquele mesmo dia. E corrigido por um outro professor.


Depois do intervalo o teste foi aplicado, alguns alunos resmungavam por não aceitar que o teste fosse aplicado naquele dia. Não demorou muito, os alunos começaram, a lacrimejar, as provas ficaram todas molhadas e a turma levou uma advertência por ter feito isso. Pensaram que havia sido um complô, literalmente. Não sabíamos o que fazer, depois da aula voltamos ao depósito. Dessa vez foi mais fácil. Já sabíamos o que evitar, ou melhor, quem evitar. Chegamos a sala laboratório rapidamente. O quadro de Napoleão não foi problema. Assim que chegamos, uma garrafa com uma etiqueta estava em cima da mesa e nela estava escrito: “Lágrimas da Turma 0763”.

Não pensamos mais, abrimos a garrafa. Nossos olhos começaram a lacrimejar mais uma vez. Foi possível ver pela última vez Neilson a nossa frente. Sua última frase foi : “Obrigada por me libertarem”.


E uma última lágrima correu pelos nossos rostos, quando no final do mês, um 10 apareceu no nosso boletim em química.


De: Ange Lyn e Giullianna Drukleim

O Espelho do Banheiro Feminino

Que o Liceu guardava várias histórias eu já sabia, mas, nunca pensei que alguma pudesse ir tão além da imaginação como esta.
Numa quinta-feira ensolarada reunimos nosso trio para jogar UNO no pátio central, lá era fresco, cheio de árvores e com bancos. O lugar perfeito.
Ao chegarmos lá me deram as cartas para que eu embaralhasse e distribuísse.
Quando começamos a jogar a voz de um menino de no máximo 7 anos soou em meu ouvido dizendo:
- Posso jogar também?
Como que por impulso eu disse:
- Agora não, espera a próxima rodada!
As meninas me olharam e Vanessa me perguntou
- Com quem você está falando?
- Com o menino que está aqui.
- Aqui? - Disse Evelyn - Aqui onde?
- Do meu la...
Ao me virar pude constatar que não havia ninguém ali, as meninas continuaram me olhando, esperando uma resposta e a única coisa que eu consegui dizer foi :
- Eu juro, ele estava aqui ao meu lado.
- Manu, você está bem?
- Esqueçam, não deve ser nada, vamos voltar ao jogo?
Voltamos ao jogo e logo me esqueci do menino, afinal de contas não havia crianças no Liceu, pelo menos nós vimos nenhuma...

Assim que cheguei em casa fui me deitar, eu estava tão cansada que não demorei nem dez minutos para pegar no sono, e o sonho que eu tive foi tão real quanto a voz daquele menino.
Sonhei que estávamos tirando fotos no pátio central, mas, Vanessa e Evelyn precisaram ir ao banheiro e eu fui me sentar em um dos bancos para ver as fotos já tiradas.
Sem que eu percebesse um menino moreno de olhos claros se sentou ao meu lado e foi chegando perto de mim, até que seu braço frio e áspero tocou o meu e quando eu olhei para o lado ele rapidamente tampou minha boca com sua mão, que por sinal era muito mais gelada que seu braço, e disse:

- Por favor, não grite, eu preciso de sua ajuda, e você é a única que pode me ajudar. Por favor, me ajude.
Ele retirou a mão lentamente e assim que pude eu perguntei:
- Quem é você? E que ajuda é essa que você quer?
Ele me olhou assustado e com os olhos saltando para fora ele me disse:
- Por favor, fale mais baixo, se ela descobrir que eu fugi vai me matar.
- Ela? Ela quem?
- A moça que cuida da gente, eu só queria te pedir pra ser minha mãe...
Assim que ele terminou de falar a voz de uma das coordenadoras soou no corredor:
- Pietro! Onde você está??
O menino me entregou um papel branco e antes de ir embora ele me disse:
- Siga todas as instruções desse papel, por favor, eu preciso de você!

Da mesma forma que ele surgiu ele desapareceu. E quando eu acordei o papel estava amassado na minha mão, demorei um tempo para criar coragem e abrir o tal papel e quando eu abri, para minha surpresa, estavam escritas palavras em vermelho, e a caligrafia era de uma criança, talvez do tal Pietro.
O papel dizia:

" A folha roxa um mistério traz, do olhar alegre uma lágrima cai, e se essa lágrima com a folha se encontrar, vida nova a folha terá"

Aquelas palavras não faziam sentido algum, mas, eu preferi guardar o papel e investigar tudo no dia seguinte.
O dia amanheceu frio e com um vendaval muito forte, mas, isso não era motivo para faltar aula e mesmo com o tempo ruim eu fui.
Assim que cheguei fui para o pátio central e me sentei em um banquinho.
Quando me sentei fui atingida por uma forte rajada de vento e numa tentativa frustrada de proteger o rosto com as mãos senti algo agarrar entre meus dedos e assim que a ventania parou eu abri meus olhos e ali, entre as minhas mãos estava a folha roxa.

"a folha roxa um mistério traz"

Sim, aquela era a folha roxa, mas, que mistério ela traria? E como descobrir?
Abri o papel e li a outra parte do 'poema':

"do olhar alegre uma lágrima cai"

O sinal tocou e eu rapidamente guardei a folha e o papel no bolso; no intervalo eu resolveria aquele enigma, se é que havia solução.

Quando bateu o sinal do intervalo eu fui direto para o banheiro, não importa se era maluquice minha, mas, eu ia molhar aquela folha na torneira e ver o que acontecia.
Esperei que todas as meninas saíssem do banheiro, inclusive Vanessa e Evelyn.
Quando o banheiro ficou vazio eu tirei a folha roxa do bolso e abri a torneira, coloquei a folha debaixo d'água e depois de um tempo um brilho forte fez com que eu fechasse a torneira e quando olhei para as minhas mãos o que vi era nada mais, nada menos que uma chave.

Pronto agora havia mais um enigma para resolver: de que porta seria aquela chave?
Tentei em todo o Liceu e nada. Até que chegou a hora da aula de Educação Física.
Quando cheguei na quadra dos fundos avistei uma portinha, bem pequena que na minha opinião era onde guardavam as bolas, mas, como já estava ali não custava ver se a aquela era a porta certa.

A chave girou e a porta se abriu, por mais que estivesse escuro e empoeirado lá dentro eu entrei, e assim que dei o primeiro passo a porta se fechou atrás de mim, eu tentei abri-la novamente mas, a chave não entrava mais na fechadura, e eu cai no chão, completamente desesperada.
O meu desespero era intenso e eu não sabia mais o que fazer, de repente eu comecei a escutar um borburinho e tudo clareou, aquilo que antes estava baixo agora se tornara em um falatório infernal, eu tampei os ouvidos com a mão e levantei os olhos, eu estava numa espécie de jardim de infância...

Comecei a me levantar lentamente e logo me acostumei com o barulho, mas algo segurou em minha pernas, me virei rapidamente e vi Pietro tentando me abraçar, me abaixei e perguntei onde eu estava e ele me disse que eu estava na escola dele, eu havia ido lá para buscá-lo.

Eu olhei para ele e perguntei o porquê de eu ter ido lá para buscá-lo e ele me disse que eu era sua mãe.
Nesse momento eu o empurrei para longe de mim e ele caiu no chão, quando ele se levantou me encarou com um olhar de fúria e assim como tudo aquilo havia começado, desapareceu.
Eu estava novamente no quarto onde se guarda as bolas e as redes.
Começou a fazer um frio insuportável e eu já não sabia o que fazer, comecei então a gritar por socorro. E Pietro, que estava do lado de fora, me respondeu dizendo:

- Você só sai dai se aceitar ser minha mamãe.
- Sua mãe? Deixe de maluquice menino e me tire logo daqui.
- Maluquice? - ele disse furiosamente - Pois bem, daí você não sai até aceitar ser minha mãe.
- Já disse que não, eu prefiro morrer!
E com voz maquiavélica ele me respondeu:
- Eu tenho um castigo muito pior para você!

O medo começou a tomar conta de mim e quando ele abriu a porta eu tentei correr, mas, ele estava segurando um espelho e quando eu dei o primeiro passo caí dentro dele.
Tentei sair mas, tudo que eu fazia era em vão.
Comecei a gritar e a chorar mas ele me disse:
- Faça o escândalo que quiser mamãe, dai você não sai!

E ele pendurou o espelho no banheiro feminino, e todas as vezes que entra alguém eu tento prendê-la no espelho comigo, tento hipnotizá-la, tento escrever no espelho, mas é tudo em vão.
Eu preferia ter aceitado ser "mãe" daquele menino, mas o que passou, passou.
Pelo visto, meu destino será sempre esse : ficar pendurada na parede do banheiro feminino...


De: Giullianna Drukleim